Vinho da Madeira não envenenou Rasputin
Ao falar com numerosos russos que visitaram a Ilha da Madeira, constatei que muitos deles ouviram a estória de que Gregori Rasputin, personagem polémica da História da Rússia do início do séc. XX, teria sido envenenado por vinho produzido nessa maravilhosa ilha.
Normalmente, dizem eles, isso é-lhes contado em restaurantes ou caves talvez para levar os russos a comprarem e consumirem mais umas garrafas desse néctar divino. Afinal, os russos não só têm fama de que gostam de beber, mas são realmente fortes consumidores.
Mas o facto é que isso não passa de um mal-entendido, de que a história dos homens é fértil, daí não ser correcto "denegrir" a fama do vinho da Madeira para aumentar as suas vendas.
Na realidade, Gregori Rasputin foi envenenado por "Madera", vinho produzido na Península da Crimeia (actualmente, território ucraniano) a partir de castas semelhantes àquelas com que se produz o néctar mundialmente conhecido da nossa Ilha da Madeira.
Rasputin, diabo para uns e santo para outros, apreciava realmente vinho da Madeira e isso ficou assinalado por várias pessoas que o conheceram de perto. Porém, o cianeto foi dissolvido em "Madera".
O príncipe Félix Iussupov, um dos três homens que organizaram e concretizaram o assassinato de Rasputin, escreve nas suas memórias que, depois de ele ter ingerido bolos envenenados, lhe ofereceu vinho.
"Então - escreve o príncipe - eu ofereci-lhe nossos vinhos caseiros da Crimeia... Ele bebeu-o com prazer, limpou os lábios e perguntou se eu tinha em casa muito vinho daquele. Ficou admirado ao saber que a cave estava cheia de garrafas.
- Entorna mais um madeirinha - disse ele. Eu queria dar-lhe outro cálice, com veneno, mas ele travou-me:
- Enche este".
Depois de ter ingerido vários copos de "Madera" com veneno e nada ter acontecido, Rasputin acrescentou: "Bom madera, enche mais um copo".
O resto da história do assassinato já os leitores conhecem. Por isso, apenas mais umas palavras para explicar o aparecimento dos vinhos "Madera" e "Portwine" na Rússia. Nos meados do século XVIII, alguns nobres russos começaram a encomendar da Europa videiras para plantar na Crimeia, onde as condições climatéricas são semelhantes. E assim apareceram as"versões russas" dos vinhos portugueses.
Durante o regime comunista (1917-1991), na União Soviética produziam-se, além de "Madera" e "Porwine" de razoável qualidade, "vinhos a martelo" com o mesmo nome, também conhecidos por "bombas", favoritos dos alcoólicos porque embriagam rapidamente. Quem passou pela União Soviética e não conhece marcas como "777", "Agdam"?
Após a Revolução de Abril de 1974 em Portugal, os dirigentes soviéticos começaram a importar quantidades significativas de Vinho do Porto português, sendo esta uma das formas de financiar as actividades do Partido Comunista Português. Embora sendo bastante caro em comparação com as bebidas alcoólicas soviéticas (se uma garrafa de vodka custava dois rublos, uma de vinho português custava cinco), tornou-se popular devido à sua qualidade.
Entre os intelectuais e boémia soviéticos, a garrafa de vinho do Porto também passou a ser conhecida por "kunhalovka" (cunhalzinha), em honra de Álvaro Cunhal, que nessa altura dirigia o PCP.
20:18 |