O adeus às armas
8:00 | Segunda-feira, 10 de Mar de 2008
Não sou nenhum herói, disse um príncipe Harry claramente embaraçado com a linguagem usada por alguns jornais e canais de televisão para descreverem as suas dez semanas na violenta província de Helmand, no Afeganistão. O intenso debate sobre a participação do príncipe inglês em operações militares num teatro de guerra mostrou uma coisa essencial para o futuro estratégico da Inglaterra e dos países europeus - aquilo a que nas últimas décadas nos habituámos a chamar Europa não será uma superpotência internacional. O debate tornou claro que o problema não é um problema de meios mas sim de atitudes sociais e de falta de vontade política. Se olharmos para trás, digamos, para o início do século XX, só podemos concluir que estas atitudes e a correspondente ausência de vontade representam uma mudança radical na história do Velho Continente.
Durante séculos, os membros das famílias reais da Europa participaram em guerras de uma forma extremamente pública. O mesmo pode ser dito das elites dos países europeus. Estas elites sempre lutaram na linha da frente das inúmeras guerras travadas em território europeu ou fora dele. Primeiros-ministros, ministros e deputados chegavam ao poder depois de terem participado em carreiras militares. Muitos destes decisores políticos perderam filhos em guerras próximas e distantes. Como as capelas das melhores universidades europeias mostram, a guerra fazia parte do contrato social entre governos, militares e as suas sociedade.
Hoje em dia vivemos numa Europa extraordinariamente diferente. A Inglaterra pode continuar a ser o país europeu com mais tradição marcial, mas a verdade é que os decisores políticos e militares ingleses só aceitaram que o príncipe Harry estivesse no Afeganistão de uma forma furtiva. No momento em que a sua presença no país foi tornada pública, o príncipe, apesar de ser um oficial do Exército, foi imediatamente separado dos seus camaradas e metido num avião de volta a Inglaterra. A preocupação com a sua vida e com a segurança da sua unidade foram os argumentos usados para explicar o rápido regresso a casa. Este exemplo mostra uma coisa impensável há várias décadas - a presença de um membro da elite de um país europeu num teatro de guerra é hoje em dia uma situação excepcional. Mas o exemplo mostra também a dimensão do afastamento das sociedades europeias em relação aos assuntos militares. Este afastamento tem sido relativamente silencioso mas não é por isso que deixa de ser notável.
A enorme maioria dos ministros dos governos europeus nunca serviu nas Forças Armadas dos seus países. Os filhos e as filhas destes ministros também não têm experiência militar. O número de deputados nos parlamentos nacionais ou no Parlamento Europeu com carreiras militares é extremamente baixo. Livros considerados essenciais para a educação estratégica dos decisores políticos e elites nacionais durante séculos como 'A Ilíada' (Homero), 'As Histórias' (Heródoto), 'As Troianas' (Eurípides), 'A História da Guerra do Peloponeso' (Tucídides), as biografias de Plutarco e 'Guerra e Paz' (Tolstoi) são desconhecidos ou vistos como ultrapassados e irrelevantes para o futuro dos países europeus. O desconhecimento e desinteresse das sociedades europeias em relação ao que resta das suas Forças Armadas nunca foi tão grande como agora. As opiniões de oficiais na reserva com grande experiência são vistas pela maioria como uma aberração. O moral dos militares, essa poderosa mistura de coisas como liderança, disciplina, camaradagem e auto-respeito, nunca deve ter estado tão baixo como hoje em dia.
Esta situação é o resultado da duríssima história da Europa ao longo do século XX. Esta história levou as sociedades e os governos dos países da Europa Central e Ocidental a mudar radicalmente de opinião em relação à guerra e ao exercício da violência. A paz e a enorme prosperidade geradas pelas democracias liberais e pelo capitalismo nas últimas décadas fortaleceram ainda mais esta mudança de atitude. Em vez da prometida Revolução nos Assuntos Militares, temos aquilo a que James Kurth, professor no Swarthmore College (EUA), chamou 'Revolução das Atitudes em relação aos Militares'. O debate sobre o serviço militar do príncipe Harry no Afeganistão mostra a extensão desta revolução. O debate mostra também o enorme equívoco que continua a rodear os poucos debates estratégicos que decorrem actualmente na União Europeia.
Os eleitorados europeus dizem que gostariam de ver a União Europeia ser um actor estratégico de primeira grandeza em termos mundiais. Se olharmos para a enorme riqueza produzida no Velho Continente vemos que os países europeus têm os meios para financiar forças armadas capazes de manter a paz e garantir a defesa dos seus interesses. O problema é que não têm a vontade. A Europa está a dizer o seu adeus às armas.
A geografia da inovação
O mundo é plano, escreveu Thomas Friedman em 2005. Não é bem assim, respondeu Richard Florida chamando a atenção para os picos, colinas e vales na geografia da inovação. Na altura, a maioria dos picos da inovação estava concentrada nas costas Leste e Oeste dos EUA, no Norte da Europa e no Japão. Os números da Organização Mundial da Propriedade Intelectual no que respeita ao registo de patentes em 2007 mostram o aparecimento de novos picos de inovação. Os EUA continuam a ser líderes mundiais no registo de novas patentes. O Japão está em segundo lugar e a Alemanha em terceiro. As mudanças a ter em conta vêm a seguir. A Coreia do Sul ultrapassou a França e subiu ao quarto lugar. A China subiu ao sétimo lugar. Em 2007 o Nordeste da Ásia foi responsável por mais de um quarto das patentes registadas.
Miguel Monjardino