PLURALISMO 'À LA CARTE' ?
Manuel Maria Carrilho O pluralismo é o factor vital, crucial de qualquer democracia. Numa época em que a democracia tende a ser tão global como residual, só o combate por um pluralismo efectivo, que não se limite a formalidades mais ou menos rituais, contribuirá para robustecer a democracia.
Ao anunciar, há tempos, um estudo sobre a situação do pluralismo, a ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social - parecia assumir as suas responsabilidades nesta matéria. Infelizmente, mais uma vez, a ERC falhou completamente os seus objectivos, situação que se tem repetido com tal frequência que torna incontornável a hipótese de um entorse genético na sua constituição, com graves consequências no seu funcionamento e nos seus resultados.
Quanto ao estudo apresentado pela ERC, é fundamental sublinhar três pontos: em primeiro lugar, para lembrar que, de acordo com o que a lei estabelece, a ERC deve velar pelo pluralismo em toda a comunicação social, e não apenas neste ou naquele "media" ou órgão de comunicação específico.
Seguidamente, no que se refere às televisões, para sublinhar que a lei obriga ao respeito pelo pluralismo não só os canais de serviço público, mas também as operadoras privadas. É uma obrigação incontornável, apesar das nuances que admite. A opção da ERC, de fazer incidir o seu estudo apenas nos canais de serviço público insinua a ideia que os operadores privados estão livres dessa obrigação, o que não é verdade.
Por fim, a metodologia utilizada pela ERC inviabiliza a obtenção de resultados úteis ou credíveis, nomeadamente ao confundir informação e "tempos de antena" e ao reduzir o que deve ser uma ampla expressão da diversidade (seja no plano ideológico, social ou cultural) à actividade partidária!
A revitalização da democracia portuguesa merecia melhor, merecia sobretudo que a ERC assumisse de um modo mais exigente as suas responsabilidades legais no que respeita à promoção do pluralismo, em tudo o que deve ser a expressão da multiplicidade de pontos de vista e da diversidade dos agentes, que são os eixos nucleares da democracia deliberativa dos nossos dias.
O estudo da ERC revela uma visão raquítica do pluralismo político e uma concepção atrofiada do pluralismo informativo. Ora, são estas perspectivas de um pluralismo "à la carte" que é urgente contrariar. E dar-se-ão passos nesse sentido quando, como em geral acontece no mundo civilizado - basta olhar para a BBC, a CNN ou a FRANCE 2!... - se acabar com a cartelização do comentário político pelos partidos políticos (no serviço público de televisão, mas não só), e quando se vedar tanto a jornalistas como a políticos a função de "comentador" político, reservando-a para personalidades indiscutivelmente independentes, de perfil universitário e de currículo reconhecido. Talvez então se descubra como é fácil satisfazer o mais exigente critério de pluralismo, sugerido por Cass Sunstein: o de nos surpreender, mesmo quando não procuramos surpresas!
Capitalismo social No momento em que o capitalismo financeiro é objecto de uma espiral de descredibilidade e de suspeita até há pouco inimagináveis, é reconfortante olhar para os resultados do capitalismo social impulsionado pelo prémio Nobel Muhammad Yunus, o inventor do micro crédito. Ele lembra que 94% do rendimento mundial está nas mãos de cerca de 40%, e que metade da população mundial vive com 2 dólares por dia. O seu objectivo á alterar esta situação. Para o conseguir procura, com o "Gremeen Bank", estimular um capitalismo que obedeça a outros objectivos, não o do lucro máximo para os accionistas ou o da máxima remuneração para os seus gestores, mas o da criação de empresas e de empregos, sem perdas nem lucros. O seu sucesso impressiona: parece que finalmente apareceu alguém que contraria a observação de Mark Twain, que definiu o banqueiro como alguém que empresta um chapéu-de- -chuva quando o sol brilha, e o tira mal começa a chover!
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