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 Progresso que gera miséria?

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Vitor mango

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MensagemAssunto: Progresso que gera miséria?   Progresso que gera miséria? EmptyDom Abr 27, 2008 2:59 am

Progresso que gera miséria?


Elisa, Ferreira, Eurodeputada

O Brasil acaba de decidir bloquear as suas exportações de arroz, alegando que não pode pôr em risco a alimentação da sua população; junta-se assim a um conjunto de países que, nos últimos dois meses, levantaram restrições à exportação de produtos alimentares, entre os quais Argentina, Bolívia, Camboja, Cazaquistão, China, Egipto, Etiópia, Índia, Indonésia, Marrocos, México, Rússia, Tailândia, Ucrânia, Venezuela e Vietname.

Quando a oferta diminui, o preço aumenta. E, quanto maior se torna o preço, mais países decidem reservar para os seus cidadãos aquilo que produzem, tentando evitar, através de medidas administrativas, que os altos preços mundiais seduzam os seus exportadores e os induzam a vender no exterior o que é essencial para consumo interno. Por sua vez, os países que não produzem alimentos em quantidade suficiente entram em dificuldade, seja porque não conseguem encontrá-los no mercado mundial seja porque os têm de pagar a preços proibitivos.

Em cada dia que passa vão surgindo mais anúncios de restrições à exportação, mais notícias sobre países e regiões onde diversos alimentos deixaram fisicamente de existir ou atingiram preços inacessíveis. Em consequência, temos diariamente anúncios de novas subidas de preços - nos últimos trinta e seis meses, o preço do trigo aumentou 181% e, no último ano, o preço médio dos produtos alimentares aumentou, em dólares, mais de 65%! (Note-se, de passagem, que só a desvalorização do dólar face ao euro impede que, também nós europeus, conheçamos índices de inflação ainda mais elevados).

Mas o que está a acontecer, afinal? Algo de estranho, certamente, sobretudo se recordarmos que não há muito tempo assistíamos à Argentina e outros grandes produtores da América Latina a apresentarem queixas contra as barreiras que os mercados europeus e outros levantavam à exportação da maioria dos alimentos que produziam; ou a acusações contra a Europa por alegadamente praticar concorrência desleal no mercado mundial, através da baixa artificial dos preços dos produtos agrícolas.

O que poderá, então, ter despoletado um tal processo que, uma vez iniciado, se alimenta de forma compreensível? Com efeito, lançada a semente da dúvida e da insegurança no abastecimento e uma expectativa de preços explosivos, a espiral desenvolve-se por si própria, acabando a força da globalização dos nossos dias por contribuir para acelerar aqueles estímulos e a multiplicação dos efeitos de contágio.

Na apressada busca de hipotéticas causas, não falta quem aponte inequivocamente o dedo aos famigerados biocombustíveis - um argumento fácil de apresentar, politicamente correcto e mediaticamente apelativo! De "uma penada", outros estendem com igual ligeireza a condenação à utilização para fins energéticos de cereais cultivados nos EUA ou na Europa, da cana-de-açúcar brasileira ou do óleo de palma indonésio - como se fossem menores as diferenças entre estas diversas fontes e respectivas condições de produção! Esta facilidade com que se vai afirmando que a razão da fome no mundo resulta da transformação de alimentos em combustível é perigosa, acima de tudo porque substitui uma situação altamente complexa por uma aparente verdade simplista (e, muito provavelmente, incorrecta). De facto, se os biocombustíveis podem ter agudizado o problema neste ou naquele mercado concreto (caso dos EUA, por exemplo), as estatísticas disponíveis mostram que eles não representam, neste momento, mais de 2% da procura mundial de produtos agrícolas.

Outros e diversos factores estarão, pois, na origem do problema. Não esquecendo alguns bem representativos - como as efectivas alterações climáticas que flagelaram (secas, fogos, inundações) algumas das zonas mais produtivas do globo (caso da Austrália, por exemplo) e assim provocaram uma forte redução da oferta mundial de alimentos -, duas determinantes serão particularmente significativas. A primeira diz respeito à tendência mundialmente instalada para o florescimento de operações especulativas; sendo certo que, se o mercado dos produtos agrícolas e alimentares é já de si um mercado interessante pelos seus preços ascendentes, ele adquiriu um especial interesse quando a crise se instalou nos mercados financeiros mundiais em busca de investimentos mais sólidos e menos voláteis, os capitais internacionais deslocaram-se para apostas em matérias-primas e, naturalmente, em produtos alimentares.

Uma segunda explicação tem a ver com o crescimento explosivo de países como a China ou a Índia, o qual não só aumentou exponencialmente a quantidade de alimentos consumidos pelos respectivos cidadãos como gerou alterações radicais na respectiva dieta; ilustrando entre 1980 e 2005, cada chinês passou de um consumo médio de 20 kg de carne por ano para cerca de 50kg - ora, substituir uma dieta assente no consumo directo de cereais por uma baseada num transformado complexo e demorado dos mesmos (para produzir carne), e a uma escala de 1300 milhões de habitantes, induz necessariamente efeitos multiplicadores excepcionais…

De referir, ainda, que as reacções do foro especulativo associadas a esta pressão sobre os recursos mundiais - decorrente, em última instância, do próprio processo de desenvolvimento que todos ambicionamos - têm seguramente fortes responsabilidades no facto de, para além do aumento do preço dos alimentos e do conhecido aumento do petróleo, também os preços de matérias-primas essenciais como os metais estarem hoje triplicados face a 2000, estando o valor do ouro multiplicado por mais de nove!

O turbilhão está instalado nos mercados mundiais e, em especial, nos de produtos alimentares. No entanto, mais de 850 milhões de pessoas passam fome ou estão mal alimentadas neste mesmo mundo; todos os anos, mais 4 milhões de novos famintos se lhes juntam e 5,6 milhões de crianças morrem à fome! Neste quadro, se as tendências instaladas forem, como parecem, estruturais, fica a pergunta para que futuro está a humanidade a caminhar?

Elisa Ferreira escreve no JN, semanalmente, aos domingos
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