Arma e símbolo ou objecto de colecção?
Afinal, esta coisa da Lei das Armas já tem os seus tempos… quase dois anos!
Passou-me despercebida, na altura, e só agora dei por ela, como disse, porque alguém, na Internet, me chamou a atenção para o assunto.
O camarada Morais Silva, pressuroso e Amigo, deixou, em comentário que agradeço, os esclarecimentos julgados convenientes.
A norma que regula a detenção, o uso e o porte de armas é a Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro e estabelece, na alínea f) do n.º 2 do Art.º 12.º que «São armas, munições e acessórios da classe A»: «As armas brancas sem afectação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou que pelo seu valor histórico ou artístico não sejam objecto de colecção».
Ora, como as espadas e os espadins dos oficiais das Forças Armadas não estão afectados a práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas e não são objectos artísticos ou de valor histórico, nem, tão-pouco, de colecção, serão, então, armas. Armas classificáveis na classe A.
Realmente, aquele objecto que os oficiais da fotografia que encima esta postagem transportam preso à cintura são espadas e como tal são armas. Negar este facto é pura e simplesmente andar a brincar com coisas sérias.
A espada ou espadim que qualquer oficial recebeu ao findar o seu curso, para além de um símbolo — símbolo de poder e comando, de honra e dignidade — é, também, uma arma. Não é um objecto de colecção, nem um objecto artístico na sua essência (pode sê-lo na aparência). É simbólico o seu poder, mas prático se tiver de ser usado como instrumento de defesa. Que ninguém queira provar a ponta do meu espadim! E, nem de propósito, para provar quanto a espada de um oficial é um símbolo e uma arma, recordo uma história que ouvi ao meu saudoso pai. Aí vai ela, para ser apreciada no contexto em que ocorreu.
Viviam-se os anos 20 ou começo dos anos 30 do século XX, em Portugal, e um oficial — de quem já não recordo o nome nem a graduação —, casado, desconfiou de que, na sua ausência, a mulher recebia, no recato do quarto do casal, um amante. Da desconfiança passou à quase certeza. Assim, a dado momento, com calma e tranquilidade, começou a preparar a armadilha para conseguir o flagrante.
Na manhã aprazada, saiu de casa como se fosse para uma mais longa permanência no quartel. À cintura pôs a espada, segura pelo talabarte e dependurada no talim. Escondeu-se num qualquer recanto e esperou a entrada do amante no seu lar. Deixou que algum tempo passasse e, depois, sorrateiro, esgueirou-se para casa e num rompante entrou no quarto onde a mulher gozava o calor do leito conjugal nos braços do seu amado. De espada em punho, de uma só vez, cravou ambos ao colchão, deixando que a lâmina se enfiasse até aos copos.
Foi assim, já mortos, que os encontrou a polícia a quem o oficial participou a ocorrência. Não podiam restar dúvidas quanto à traição da esposa.
Levado o caso a tribunal militar o oficial foi ilibado de qualquer culpa, porque lavara a sua honra de homem e de soldado no momento e com as provas necessárias para que dúvidas não restassem. A espada, símbolo do seu poder, da sua honra e da sua autoridade, tinha sido o instrumento de justiça matrimonial!
Outros tempos, dirão os meus leitores! Claro, eram outros tempos. Tempos em que, talvez com certos exageros, a noção de honra era outra e a serventia da espada não era a de objecto de colecção ou artístico! E já que estou em maré de História só gostava de recordar um simples episódio ocorrido no final do ano de 1914.
Era Presidente da República — da jovem República Portuguesa, a segunda numa Europa monárquica — Manuel de Arriaga e presidente do Conselho de Ministros o oficial da Armada, Vítor Hugo de Azevedo Coutinho. A Grã-Bretanha, por força de instantes pedidos franceses, requisitara o apoio de Portugal no conflito — a Grande Guerra — que, desde Agosto, ensanguentava o Velho Continente.
Azevedo Coutinho era adepto da beligerância nacional e tudo estava a fazer para levar Portugal até aos campos de batalha, contudo, a grande maioria dos oficiais do Exército não partilhava dessa vontade e com eles estava Machado Santos, o oficial de Administração Naval, a quem se ficara a dever a vitória republicana na manhã de 5 de Outubro de 1910.
Com base num pretexto de menor importância, Machado Santos conseguiu que grande parte da oficialidade se rebelasse contra o Governo de Azevedo Coutinho e ele, secundado por quase todos os oficiais do Exército da guarnição de Lisboa, foi entregar a espada ao Presidente da República. O golpe ficou baptizado para a História com o singular nome de
Movimento das Espadas e deu origem à queda do Governo que Manuel de Arriaga aprovou e aplaudiu.
Outros tempos! Sim, outros tempos. Mas o passado é o cimento que mantém de pé instituições que são esteios de todas as Nações.
Luís Alves de Fraga
Fio de Prumo