A não remodelação
As alterações ocorridas esta semana no Governo suscitam três notas.
Primeira nota: não foi uma remodelação, foi uma não remodelação.
Porquê?
Porque o que não aconteceu foi mais surpreendente do que o que aconteceu.
O que não aconteceu foram as saídas de Mário Lino, Nunes Correia, Maria de Lurdes Rodrigues ou Manuel Pinho, várias vezes apontados como remodeláveis.
E, nesta medida, a sua continuidade representa um voto de confiança do primeiro-ministro.
Com as mexidas desta semana, os ministros das Obras Públicas, do Ambiente, da Educação e da Economia ficaram com a sua autoridade reforçada.
Ninguém mais dirá que vão sair.
Se não saíram agora, têm o lugar assegurado até às legislativas.
A segunda nota é sobre a saída de Isabel Pires de Lima.
Enquanto houve ministros que ficaram e sempre se pensou que saíam, a ministra da Cultura saiu e sempre se pensou que ficava.
Não encontro razões para esta mudança.
Um abaixo-assinado que corria na net contra a ministra só podia ter sido motivo para Sócrates a manter e não para a tirar.
Portanto, algo de estranho deverá ter acontecido.
É provável que, para o ministro da Saúde não sair do Governo sozinho, Sócrates quisesse arranjar-lhe companhia.
E é natural que houvesse no PS um lóbi desejoso de ver a ministra da Cultura pelas costas.
Juntando as duas coisas, Isabel Pires de Lima foi a escolhida para acompanhar Correia de Campos.
A terceira nota é sobre a demissão deste.
Que merece uma atenção acrescida.
É curioso que Cavaco tenha feito críticas à Saúde no discurso de Ano Novo e menos de um mês depois o ministro saia.
Mas o mais importante não é isso.
O mais importante é que as reformas na Saúde ficaram feridas de morte.
Por mais que se diga o contrário, qual foi a ideia que passou com esta demissão?
Claramente, ficou a ideia de que Correia de Campos não resistiu à contestação popular às reformas que estava a fazer – designadamente o fecho de maternidades e o encerramento de urgências.
Ora, sendo isso que se pensou, toda a gente espera agora que a nova ministra faça uma política diferente.
E esta expectativa acabará por ter um peso decisivo, enterrando de vez a reforma em curso.
Entretanto José Sócrates também vai perder com a saída de Correia de Campos.
De certo modo, Correia de Campos era a guarda avançada do primeiro-ministro: a sua impetuosidade, a sua obstinação, a sua falta de paciência para as críticas, faziam dele uma espécie de clone de Sócrates, em versão aumentada.
Ele ia à frente, abria caminho de qualquer maneira, e o resto do Governo ia atrás.
Com a sua saída, José Sócrates ficou sem clone – e por isso ficou mais exposto.
Correia de Campos era um troublemaker mas fazia a diferença.
Sem ele, o Executivo de Sócrates torna-se mais igual aos outros.
Ora a imagem de marca deste Governo era precisamente ser diferente: ser teimoso, obstinado e reformador
sol