POR QUE GOSTO E NÃO GOSTO DE OBAMA
Ferreira Fernandes
jornalista
ferreira.fernandes@dn.ptDuas
semanas de América e ouvi gente bastante a dizer-me: "Ele inspira-me."
Ouvi uma jovem vereadora de Chicago, hispânica, dizer dele, com os
olhos fascinados: "Ele ouve." Eu próprio ouvi meia dúzia dos seus
discursos. Deixei-me embalar com o seu jeito para o refrão, bom para a
música, bom para os sermões, bom para qualquer conversa. Ele tem aquele
jeito elegante que sempre invejei nos meus amigos mulatos de Luanda.
Num debate, na Carolina do Sul, depois de dizer que hesitava em chamar
"brother" (irmão) a Bill Clinton, ele rematou: "Preciso de estudar
melhor o seu jeito para a dança." Não vi, mas Obama deve dançar leve. E
gosto do seu jeito para ironizar, num debate, sobre pretensas vantagens
raciais.
Já não gosto do gosto nele em dizer-se "afroamericano". Porque é pouco.
É como ser irlandês da América. É passado. A América dos imigrantes por
causa da fome da batata, já era. E da escravatura, também. Aliás, é
mentira. Barack Obama não é afroamericano. Não é descendente dos negros
que mudaram de continente com grilhetas. É filho de um estudante
queniano que escolheu a América e escolheu a mulher, uma branca do
Kansas.
Essa origem de Obama fá-lo muito mais próximo dos garotos mestiços de
Lisboa ou de Saint-Denis do que de Mahalia Jackson. Os afroamericanos
deram Mahalia a cantar "Take My Hand, Precious Lord" e só isso
justifica o big-bang que o Universo um dia fez. Os garotos globalização
- de Lisboa a South Side Chicago - nem precisam do que os justifique na
História: eles são a História em movimento. Um dia, ouvi um jovem poeta
mulato martiniquês a dizer o seu avanço sobre o velho poeta mulato
martiniquês Aimé Césaire, pai da negritude: "Sou a primeira geração que
andou na escola com brancos, negros, indianos e chineses, eu sou o que
o mundo vai ser." Obama andou na escola, em Honolulu, com brancos,
havaianos, japoneses, andou com o mundo a partir de agora inevitável e
ainda bem.
Gosto de Obama porque disse que gostava da América nem azul (democrata)
nem vermelha (republicana) mas púrpura. Os bons espíritos também se
juntam nas imagens e foi exactamente isso que ouvi o o bom bispo Tutu
cantar e dançar no dia em que acabou o apartheid na África do Sul. Não
gosto de Obama pertencer à igreja United Trinity Church, que está na
fronteira do racismo negro.
Compreendo que esse afroamericanismo lhe traz a vantagem de 80% de
votos negros na Califórnia. Mas a grandeza da América de hoje é o Idaho
(população branca: 96,99%; negra: 0,65%) votar mais nele do que numa
loura. E a grandeza da América é Obama ser a América. Ele tem na cara o
programa da modernidade. É pena que se refugie, por vezes, no passado.