'Yes, we can' Domingo
passado, num almoço de amigos com sensibilidades políticas diversas –
uns mais à esquerda, outros mais à direita, mas todos culturalmente
liberais – discutiu-se inevitavelmente o tema do momento: as eleições
americanas. Senti-me um pouco sozinho, remetido à atitude romântica que
me é normalmente atribuída, quando defendi a hipótese de o próximo
Presidente dos Estados Unidos vir a ser Barack Obama.
Para além
das suas crenças e desejos pessoais, os meus amigos mostraram-se
cépticos quanto a essa eventualidade e a maioria inclinava-se para uma
vitória do republicano John McCain, mais provável no caso de o seu
opositor ser Obama em vez de Hillary Clinton.
De nada me valeu
esgrimir com as sondagens ou os sinais de mudança sociocultural e de
comportamentos eleitorais que se estão desenhando nos Estados Unidos,
contrariando realidades e preconceitos profundamente enraizados. Mesmo
quando avancei com o argumento de que Obama é o democrata melhor
colocado para bater McCain, segundo indicam os inquéritos de opinião,
não consegui convencer ninguém. Hillary seria ainda verosímil, Obama
nunca.
Com efeito, a ideia de que um negro – Obama é mestiço,
filho de mãe branca e pai negro, mas isso pouco importa – possa
ascender à presidência do país mais poderoso do mundo, onde a memória
dos conflitos raciais entronca na génese da história nacional, parece
ainda relevar da mais pura utopia. E não apenas para grande parte dos
americanos mas, porventura, para a imensa maioria dos europeus,
asiáticos, africanos e povos de outras latitudes. No entanto, depois
das últimas oito vitórias consecutivas de Obama, que já ultrapassou
claramente Clinton no número de delegados que irão decidir a nomeação
democrata, essa utopia tornou-se mais próxima e consistente. E se,
afinal, o impossível se revelasse possível? ‘Y es, we can’
(‘Sim, podemos’) é o slogan mais repetido da campanha de Barack Obama,
sublinhando o efeito mágico da palavra ‘Change’ – que seria apenas
banal se um cenário de mudança na América não parecesse impossível com
um Presidente de pele escura. Ora, é precisamente essa suposta
impossibilidade que se está a tornar a grande força propulsora da
campanha de Obama e a emprestar--lhe a dimensão imaginária de um novo
‘american dream’.
Obama não é um candidato negro clássico, no
estilo desafiador e agressivo de um Jesse Jackson. Como escreveu Shelby
Steele, Obama
«é hoje um candidato presidencial plausível
porque ele é um regateador natural de nascença. Obama – como Oprah –
representa uma oportunidade para os brancos pensarem bem de si mesmos,
porque lhes oferece um dos sentimentos mais reconfortantes a que um
branco moderno pode aspirar: o de que não é racista». Mas sensibilizar a boa consciência não racista dos brancos americanos não chega certamente para explicar o fenómeno.
Num
artigo anterior, escrevi que Obama simboliza um corte com a herança
política e cultural do pós-guerra, uma superação do fantasma do
Vietname e das lutas pelos direitos civis dos anos 60. É preciso
acrescentar, porém, que o inesperado (e quase inverosímil) sucesso da
sua candidatura só é verdadeiramente compreensível se tivermos em conta
o estado de depressão psicológica e moral em que se encontra a América
depois de oito anos de presidência de George W. Bush. A principal
vantagem de Obama sobre Hillary ou McCain – que, apesar da sua
indiscutível força de carácter, está irremediavelmente prisioneiro do
imbróglio iraquiano – é a de que só ele pode protagonizar uma ruptura
com o passado e abrir um tempo novo para a América. Evidentemente,
as coisas nunca são a preto e branco (sendo que, aqui, o preto não
reflecte uma virtude imaculada). Joe Klein, um dos mais argutos
analistas políticos americanos, escrevia há dias na Time que Obama é
mais inspiração do que substância, mais retórica galvanizadora do que
capacidade de detalhar um programa político. Referindo-se ao confronto
entre o ‘novo’ de Obama e o ‘velho’ de Clinton, Klein observa:
«Num
país onde a novidade é um fetiche – e onde uma espantosa percentagem de
70 por cento do público está farta do actual estado das coisas – a
‘mesma coisa velha’ não se recomenda. A não ser, é claro, que a próxima
coisa nova se revele uma miragem’.
Será Obama uma miragem,
como sugere Klein? Ou a sua inspiração é essencial não só a uma América
que precisa de voltar a acreditar em si própria mas também a um mundo
que – quer se queira, quer não – vive suspenso do que acontece na
América?
Seja como for, o movimento de entusiasmo e participação
política e cívica que Obama soube encarnar é, em si mesmo, uma enorme
força de esperança e mudança que não se via nos Estados Unidos desde os
longínquos anos Kennedy: ‘Yes, we can’.
Publicado
por
vicentejorgesilva |
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