Mouraria passou de berço do fado a refúgio poliglota
Foi e será sempre o berço do fado. Mas nas ruas onde outrora a guitarra chorava baixinho, ouvem-se hoje conversas cruzadas, algumas alto e bom som, nas mais variadas línguas. Se a Severa fosse viva poder-se-ia dizer que morava não num bairro típico de Lisboa, mas num refúgio poliglota e multicolor. É que foi nisso que a Mouraria se transformou. Para o bem e para o mal.
"A convivência entre as várias comunidades é pacífica", como garante o presidente da Junta de Freguesia do Socorro e o DN teve ocasião de verificar. Mas a tradição, essa, assegura Marcelino Figueiredo (PSD), "já não é o que era". Desde 1996, com a chegada dos primeiros imigrantes ao bairro, vindos do Paquistão, o dia-a-dia nunca mais foi o mesmo por estas bandas.
Desapareceu o bairrismo fortemente assinalado pelo fado que muitos lamentam já não existir ao vivo. "Hoje, na Mouraria, não há uma única casa de fados", reclama Virgínia Abelha, tesoureira da junta, que sempre que deixa a sua casa em Arroios para ir trabalhar sente que entra num "mundo à parte".
Mónica Nabais, coordenadora do Espaço Ambijovem - onde 65 crianças e jovens, entre os cinco e os 18 anos, filhos de imigrantes, procuram absorver a cultura portuguesa - vai mais longe: "Aqui, nós é que somos os estrangeiros". E dependendo da rua em que se encontre, quem passa sente-se num país diferente. Não é, portanto, difícil dar a volta ao mundo em poucos minutos e num perímetro não muito grande.
É que os paquistaneses tiveram outros seguidores. Os chineses, que são hoje a comunidade com maior expressão, instalaram-se em vários pontos: juntamente com os indianos tomaram conta da Rua do Bem Formoso e da Rua da Mouraria. Com os angolanos partilham a Calçadinha da Mouraria e na Rua da Guia existe um prédio inteiro "made in China", bem no meio das verdadeiras casas portuguesas, concerteza.
Mas tirando o interior da Mouraria, onde ainda são os portugueses quem predomina, todos os outros cantinhos deste bairro foram "invadidos" por estrangeiros. Assim, e continuando o périplo, o Largo das Olarias está entregue aos naturais das ex-colónias africanas enquanto a Calçada dos Cavaleiros é uma área exclusiva dos indianos. Casa sim, casa sim, o aroma das especiarias, o colorido dos saris e dos turbantes e o corrupio dos comerciantes não deixam dúvidas de que estamos numa "little Índia".
Tez escura ou alva, trajes vanguardistas ou tradicionais, línguas entendíveis ou totalmente imperceptíveis. Tudo isto coabita harmoniosamente num cantinho da capital onde o mundo dorme rotativamente em espaços onde já não é possível alugar quartos mas sim camas, tal é o volume de estrangeiros. Luís Santos, proprietário da loja de artigos de desporto "O português", integra a minoria no Centro Comercial da Mouraria, situado num canto de Lisboa que afinal é global.
DN