Os muros ainda dividem Belfast dez anos após o acordo de paz
Economia prospera, mas desconfiança tarda em desaparecer.
Michael Culbert cumpriu 16 anos de prisão por ter morto militares britânicos na Irlanda do Norte. Antigo combatente do Exército Republicano Irlandês, o IRA, Culbert trabalha hoje para uma organização que, com a ajuda de fundos europeus, visa a reintegração de ex-prisioneiros.
E o seu balanço de dez anos de processo de paz é feito assim: "Já ninguém é morto, a economia evolui, haverá mais perspectivas de emprego", disse ao jornal Washington Post, lembrando que nem toda a gente anda propriamente aos beijos e abraços.
As instituições semiautónomas que o Acordo de Sexta-Feira Santa veio criar, a 10 de Abril de 1998, acabaram de ser repostas no ano passado e os católicos e protestantes tentam construir confiança, por entre os muros de paz que ainda os dividem. Analistas e residentes já não esperam um regresso à violência sectária, entre os que querem unir-se à Irlanda e os que querem ficar no Reino Unido, mas ainda há pequenos grupos criminosos e feridas abertas.
A prova disso é o processo cível que os familiares das 29 vítimas do atentado de Omagh accionaram esta semana contra membros de uma organização terrorista. O ataque aconteceu quatro meses depois de quase todos os partidos da província, mais os governos irlandês e britânico, assinarem o acordo que lançou o processo de paz norte-irlandês. O Partido Democrático Unionista (DUP), do protestante Ian Paisley, que hoje detém o cargo de primeiro-ministro no Governo da Irlanda do Norte, foi dos poucos que rejeitaram o acordo.
Este marcou o fim de 30 anos de troubles, violência sectária que fez mais de 3600 mortos. Ironicamente, os partidos moderados, de David Trimble e John Hume, foram marginalizados nas eleições de 2003, dando lugar ao DUP e ao Sinn Féin (a ala política do IRA de Gerry Adams e Martin McGuinness).
Hoje, apesar de economicamente próspera, com o desemprego nos 4,2%, a Irlanda do Norte ainda não conseguiu deitar abaixo os seus muros - quer literalmente quer simbolicamente. Quem o diz é o ex-primeiro-ministro irlandês, Bertie Ahern, e um dos arquitectos do acordo de 1998: "Os muros da paz ainda estão de pé e afrontam o nosso desejo de uma sociedade democrática pacífica. Este é um problema para resolver numa geração. Talvez mais do que uma."
DN