O Islão e a Ciência
O fulgor científico do mundo islâmico eclipsou-se há sete séculos. Senão, veja-se o alerta da ONU: "Por ano, todo o mundo árabe traduz um quinto do número de livros traduzidos na Grécia. O seu mundo universitário é um deserto".
Durante décadas soubemos e interessámos-nos muito pouco por aquilo que se passava no vasto e diverso mundo muçulmano. Durante esses longos anos, as únicas coisas que nos interessaram de uma forma consistente nesse mundo foram o duro conflito político e territorial entre palestinianos e israelitas e o preço do barril do petróleo. O resto era uma espécie de terra incógnita, distante e irrelevante. O 11 de Setembro mudou este estado de coisas.
Os ataques desse dia tornaram os países e sociedades muçulmanas muito mais transparentes. A transparência, por sua vez, mostrou-nos coisas muito interessantes. E perturbantes, também. Veja-se o caso da investigação científica. Esta semana vale a pena relembrar que Bagdade foi o maior centro de investigação científica mundial no século IX. E, pelo menos até ao século XII, o Islão foi líder na investigação científica. Os séculos seguintes foram simplesmente desastrosos. Do centro, o Islão passou primeiro para a periferia da ciência. E a seguir tornou-se irrelevante.
Em 2002, o relatório da ONU sobre o Desenvolvimento Humano Árabe foi particularmente claro em relação à dimensão do enorme falhanço dessas sociedades ao nível científico e cultural. 'Todo o mundo árabe', dizia o relatório, 'traduz cerca de trezentos e trinta livros por ano, um quinto do número de livros traduzidos na Grécia'. O relatório chamava ainda a atenção para o facto de nos mil anos que se seguiram ao esplêndido século IX os Árabes terem traduzido o mesmo número de livros que a Espanha traduz num ano. Em 2003, o segundo relatório sobre o Desenvolvimento Humano Árabe reconhecia a existência de um 'fosso de conhecimento' entre os países desenvolvidos e os países árabes e recomendou uma série de medidas para melhorar a situação. Quatro anos depois, continuamos à espera da renascença científica árabe. Porquê?
Num ensaio publicado no número de Agosto da revista 'Physics Today' (
www.physicstoday.org ), Pervez Amirali Hoodbhoy, director do Departamento de Física na Universidade de Quaid-i-Azam em Islamabade, Paquistão, defende que não é só o mundo árabe que está decadente do ponto de vista científico. Para o reputado professor paquistanês esta decadência abraça todo o mundo islâmico contemporâneo.
Uma comparação com o Brasil, Índia, China e EUA ao nível da publicação de ensaios e citações académicas mostra um atraso muito substancial do mundo islâmico. Comparados com os 30 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), os cinquenta e sete países da Organização da Conferência Islâmica (OIC) têm um número extremamente baixo de cientistas, engenheiros e técnicos. O número de patentes produzidas durante as últimas décadas nos países da OIC é simplesmente ridículo. Apesar de existirem cerca de mil e oitocentas universidades no mundo islâmico, nenhuma delas figura na lista das quinhentas melhores universidades mundiais compilada pela Universidade Jiao Tong em Xangai.
Como se isto não fosse suficientemente mau, a liberdade académica e cultural nas universidades islâmicas continua a ser severamente restringida. Hoodbhoy escreve que na sua universidade, a segunda melhor universidade da OIC, existem três mesquitas mas não há uma única livraria. Abdus Salam pode ter ganho o Prémio Nobel da Física em 1979 mas, como as suas crenças religiosas foram declaradas heréticas pelo Governo paquistanês em 1974, nenhuma universidade paquistanesa aceitou recebê-lo nas suas instalações até à sua morte. Hoodbhoy conclui que a ciência não regressará ao mundo islâmico enquanto não forem levadas a cabo profundas reformas políticas e religiosas nos países da OIC.
Calamidades geográficas
Saber geografia sempre foi importante. E hoje o que não faltam são instrumentos tecnológicos que nos permitem ter um acesso quase instantâneo a informação geográfica extremamente detalhada que há poucas décadas seria considerada secreta por qualquer Governo. O problema é que o acesso à tecnologia não garante que hoje em dia as pessoas tenham mais conhecimentos geográficos do que no passado. Aqui há umas semanas, na final do concurso Miss Teen USA, fizeram a seguinte pergunta a Lauren Caitlin Upton: "Sondagens recentes mostraram que um quinto dos Americanos não consegue localizar os EUA num mapa mundial. Por que é que julga que isto é assim?"
A resposta de Lauren Upton tornou-se extremamente popular no YouTube. "Pessoalmente, acredito que os Americanos dos Estados Unidos são incapazes de o fazer porque, uh... algumas pessoas por aí no nosso país não têm mapas e, uh... acredito que a nossa educação, como, a da África do Sul e, uh... o Iraque por todo o lado, como, tal como e eu acredito que eles devem, a nossa educação aqui nos Estados Unidos devia ajudar os Estados Unidos, uh... deve ajudar a África do Sul e deve ajudar o Iraque e os países asiáticos, assim poderemos edificar o nosso futuro para as nossas crianças".
Lauren Upton ficou classificada em quarto lugar. Para ver e meditar em
www.youtube.com/watch?v=C8QDlPX9Y3g . E em Portugal, como é que estamos?
Logística
Passámos a semana a ouvir falar de estratégia e do Iraque. Como é costume nestas ocasiões não ouvimos falar de logística. O problema é que um ditado antigo lembra-nos que "Os amadores falam sobre estratégia, os profissionais falam sobre logística". O ditado tem a enorme virtude de chamar a atenção para uma coisa crucial. Os jornais, revistas e televisões podem estar cheios de artigos a dizer que o mundo está mais plano mas os mapas mostram que as distâncias entre as principais capitais europeias e o Afeganistão não diminuíram. Estas longas distâncias têm tido enormes implicações para a logística das operações militares neste teatro de operações. A menos notada e, por isso, a mais interessante é que desde 2005 grande parte da logística dos países europeus da NATO no Afeganistão tem sido assegurada pelos Antonov 124 russos e ucranianos.
Miguel Monjardino - Expresso