D.R.
12 Abril 2008 - 00h30
Ciência
O mistério da energia negraOs próximos dez anos serão decisivos para o conhecimento
desta força que acelera a expansão do Universo e representa .
setenta por cento de tudo o que conhecemos no EspaçoTem uma designação mística, obscura, muitas vezes associada às forças do mal. Mas a verdade é que a energia negra, apesar de descoberta há cerca de dez anos, permanece o maior mistério do Universo. Literalmente. Esta força – ninguém sabe de que é feita, de onde veio ou para onde vai – constitui mais de setenta por cento de todo o Universo e promete ser a maior dor de cabeça que alguma vez assolou os astrónomos.
Robert Nichol, vencedor do Prémio Marie Curie, entregue em Março, em Bruxelas, durante a cerimónia dos Prémios Europeus da Ciência, afirmou ao CM que a 'energia negra é o grande desconhecido'. 'Já demonstrámos que representa aproximadamente setenta por cento do Universo, mas sabemos muito pouco sobre esta força', referiu Robert Nichol, cujo trabalho de investigação tem incidido sobre esta energia, primeiro ao demonstrar que existe e, mais recentemente, estudando as suas propriedades.
O GRANDE ELEFANTE INVISÍVEL
De forma simplificada, Robert Nicholexplicou até que ponto a energia negra permanece um grande mistério: 'É como se tivéssemos um grande elefante na nossa sala de estar. Sabemos que ele está lá, mas não sabemos de que é feito nem as razões de estar ali. Temos uma leve ideia do que faz: acelera a expansão do universo.'
Este conceito de força repulsiva coloca em causa uma série de verdades até agora assumidas como incontestáveis, como a lei da gravidade: 'A descoberta da energia negra é da maior importância. A confirmar--se tudo o que já teorizámos sobre ela vamos concluir que até a teoria da gravidade não está completa.'
Em 1998, os astrónomos ficaram surpreendidos ao concluírem que a expansão do Universo está a verificar-se a um ritmo cada vez mais acelerado, resultado de uma força repulsiva a que deram o nome de energia negra. Uma força tal que não se rege por nada conhecido até ao momento pela ciência. Nem mesmo a força da gravidade parece ter interferências no seu comportamento.
DÉCADA DECISIVA
Após confirmarem a sua existência, os investigadores deparam-seagora com inúmeras questões que – quando respondidas – podem representar o maior passo alguma vez dado pela Humanidade no conhecimento do Universo.
'Os próximos dez anos podem ser fundamentais para o entendimento desta energia. Precisamos de a estudar intensamente, pois representa três quartos do nosso Universo',reforçou o investigador.
Com esta necessidade bem presente, o astrónomo português José Augusto Matos aponta para os novos telescópios, 'cada vez mais potentes', que terão um papel fundamental na missão de conhecer e perceber melhor como esta energia actua. 'A construção de novos e melhores instrumentos de observação vai permitir analisar o comportamento de estrelas mais distantes', explica, sublinhando que 'a próxima década vai ser de recolha de informação, de dados e factos que irão confirmar se esta teoria está ou não correcta'.
O entusiasmo é grande e o incentivo à investigação da energia negra é ainda maior. Em causa podem estar, como Robert Nichol comentou, 'uns vinte prémios Nobel'. 'É enorme. O mais certo é surgirem mais e mais perguntas. Mas isso é que é interessante. Se não nos importarmos com o que nos rodeia, com o que está lá fora, então o que raio andamos nós aqui a fazer?', concluiu Robert Nichol.
O 'JEITINHO' DE EINSTEIN
Albert Einstein, considerado o maior cientista de todos os tempos, podia ter sido o primeiro a descobrir a expansão do Universo. Em vez disso, o alemão arranjou uma artimanha para justificar que era estático. 'Na altura de Einstein, não existia a teoria do Big Bang. Em 1917, a ideia corrente era de que o Universo era estático, sem expansão nem contracção. Sendo assim, devido à força da gravidade o Universo deveria colapsar', explica José Augusto Matos, referindo-se à trapaça encontrada por Einstein para justificar o facto de não existir um colapso: 'Ele introduziu a constante cosmológica, que é um parâmetro nas equações que representa uma força repulsiva, tal como a energia negra, que o impedia de colapsar, entrando em equilíbrio'. Anos mais tarde, Hubble recolheu indícios de que o Universo estaria em expansão, fazendo com que Einstein abandonasse a sua teoria. 'Se tivesse insistido a consequência seria admitir que o Universo estaria em expansão acelerada.'
CHUMBA A MATEMÁTICA MAS GANHA NOBEL
Reza a lenda que enquanto estudante Albert Einstein terá chumbado a Matemática. Nascido em 1879, o alemão recebeu o Nobel da Física em 1921 pela explicação do efeito fotoeléctrico.
EDWIN HUBBLE PROVA EXPANSÃO DO UNIVERSO
O norte-americano desenvolveu a teoria da expansão do universo em 1929. Em 1990, 55 anos após a sua morte, deram o seu nome ao telescópio espacial que ainda hoje observa o Universo.
OS TRÊS DESTINOS DO UNIVERSO
COLAPSO
Teoria na qual o Universo deixará de se expandir, começando a contrair-se até colapsar em si próprio. O efeito da gravidade fará com que todos os corpos celestes choquem entre si, podendo terminar num buraco negro.
EXPANSÃO
Este conceito determina que o Universo continuará a expandir-se a um ritmo constante até que seja demasiado frio para conter qualquer forma de vida. As forças repulsivas farão com que a expansão seja infinita.
CAOS
Expandir até rebentar. É esta a definição do Big Rip, no qual o Universo vai continuar a expandir-se a um ritmo cada vez mais acelerado. No fim, todoe qualquer objecto existente serádesintegrado.
NOTAS
ENERGIA NEGRA – 70%
Representa 70% do Universo. É uma força repulsiva, mas pouco se sabe sobre ela.
MATÉRIA NEGRA – 25%
Não se vê, mas esta estranha matéria interfere no campo gravitacional dos objectos visíveis.
GASES LIVRES – 4%
Hidrogénio e hélio são a base de quase 90% da matéria que compõe todo o Universo.
ESTRELAS – 0,5%
Os astrónomos acreditam que há cerca de 70 000 000 000 000 000 000 000 ou seja, 70 sextiliões.
NEUTRINOS – 0,3%
São as partículas elementares (sub-atómicas) de toda a matéria e energia. A sua carga é neutra.
PLANETAS – 0,03%
São corpos celestes que giram em torno de uma estrela. Cerca de 200 já foram identificados.
André Pereira
http://www.correiomanha.pt/noticia.aspx?contentid=F58BDDCB-316B-4C62-85E0-968CA32895E2&channelid=00000219-0000-0000-0000-000000000219