As contas com os Homens e com Deus26-10-2007, João Duque
A atitude do Eng.º Jardim Gonçalves não foi coerente com as suas palavras anteriores, não defendeu os seus colegas de administração, e deixou dúvidas sobre os processos profissionais do seu Banco
A atitude do Eng.º Jardim Gonçalves ao pagar as dívidas das empresas a que estaria ligado o seu filho Filipe é uma atitude louvável e digna de um homem que terá ficado terrivelmente embaraçado perante a sociedade por quem ele se via respeitado e glorificado. Mais, a associação da sua imagem pública a uma associação religiosa poderosa não a abonava… Entendo a sua angústia, mas se estivesse na sua situação actual não o faria. Por isso a sua atitude espantou-me.
Em primeiro lugar, espantou-me porque a sua atitude é, aparentemente, voluntária. E não é normal, nos dias de hoje, ver alguém assumir responsabilidades, mesmo que por conta de terceiros próximos, como é o caso de um filho, e “oferecer” 12,4 milhões de euros em regime de voluntariado.
Mas o meu espanto reside na constatação de que esse voluntariado e bem-fazer vai resultar em favor de uma entidade com fins lucrativos e cotada em bolsa, em que os lucros deste tipo de atitudes altruístas são depois distribuídos aos accionistas… Deve ser mesmo único no mundo! É que aqui não há benefícios fiscais porque a lei do mecenato social é para ofertas de sentido contrário!
Ainda por cima, uma vez que o Eng.º Jardim Gonçalves é accionista do BCP, com uma percentagem muito inexpressiva do capital, é certo, isso significa que a mesma percentagem se aplica a este benefício inesperado para o Banco, pelo que a sua oferta é, parcialmente reembolsada pelo próprio.
Mais me espantou quando, ainda há menos de uma semana, o Eng.º Jardim Gonçalves se afirmava distante daqueles negócios, no desconhecimento das operações de financiamento e sem benefícios directos ou indirectos dos financiamentos em causa. Logo, afirmava a sua inocência no processo e o profissionalismo e a legalidade do Banco quer na análise e concessão dos créditos quer na análise da improvável cobrança e perdão dos mesmos.
Esta atitude, agora, coloca em causa as decisões dos colegas de Conselho de Administração à época, deixando transparecer que se é assim que a situação fica sanada, então é porque as decisões de Filipe Pinhal e Alípio Dias não teriam defendido os interesses do Banco. E se optaram por conceder um perdão de dívidas, não explorando, até à exaustão, e por todos os meios, a liquidação dos créditos, passando, inclusivamente, pela denúncia ao pai de Filipe Jardim Gonçalves, é porque não estariam a perseguir até ao extremo as possibilidades de cobrança que agora se vêem reveladas…
Mas a atitude também me suscita dúvidas.
Se negócios como este estão no âmbito dos poderes correntes de dois administradores, quantos mais haverá deste tipo? Quais as garantias que foram exigidas à data de concessão dos créditos e quais as que foram executadas para tentar liquidar os compromissos?
Admitindo que era verdade que o Eng.º Jardim Gonçalves desconhecia os factos, será que se o caso não tivesse transparecido para os jornais, e se durante um almoço de família num Domingo, entre um toma lá o pão e passa a salada, se descobrisse através de um “– Olha pai, espetei um calote de 12,4 milhões ao teu banco!” ele teria tido a mesma atitude? Nunca o saberemos, mas gostava de acreditar que sim.
A atitude do Eng.º Jardim Gonçalves não foi coerente com as suas palavras anteriores, não defendeu os seus colegas de administração, e deixou dúvidas sobre os processos profissionais do seu Banco.
Se em lugar de restituir o capital ao BCP, tivesse criado um Fundo de apoio a estudantes carenciados ou à investigação, ou a outros fins de natureza social estava, outrossim, a dar uma lição de coerência, ética e desprendimento material, fazendo as contas com os Homens e já com créditos por conta das que fará com Deus.