Igreja avança com 'reformas'
A vivência excessiva do culto mariano é uma das críticas feitas aos bispos
Vivência excessiva do culto mariano (Fátima), individualismo da maioria dos sacerdotes, paróquias grandes propícias ao anonimato, homilias que são monólogos irrealistas, linguagem rebuscada e falhas na catequese.
A sociedade também não está inocente.
A análise é feita por figuras da Igreja e especialistas.
O recente discurso do Papa aos bispos portugueses foi um alerta. A a receita pode passar por desconcentrar para pequenas comunidades e construir novas pontes de diálogo com uma sociedade em crise de valores.
Não há consenso absoluto entre figuras da Igreja e especialistas, mas os pontos de acordo permitem perceber quais poderão ser as "reformas" do futuro. Nada indica que a Igreja portuguesa vá ficar imóvel. Antes pelo contrário.
A Conferência Episcopal vai formar uma comissão especial para fazer a análise de conjunto dos relatórios diocesanos enviados há meses ao Papa.
Bento XVI referiu a necessidade de estabelecer bem as funções do clero e do laicado, bem como a democratização na atribuição dos ministérios sacramentais. "Na sociedade civil existem estruturas democráticas e representativas.
A própria estruturação hierárquica piramidal da Igreja não estimula a participação, em plano de igualdade, dos leigos", refere Teresa Toldy, teóloga e professora da Universidade Fernando Pessoa.
"Na minha diocese não há problemas entre leigos e diocesanos", refere, ao JN, Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, que também esteve presente em Roma no encontro com Bento XVI.
Mas haverá razões adicionais para a fraca participação dos leigos face à "maré crescente de cristãos não praticantes", para usar as palavras do Papa? "A Igreja tem de falar de problemas concretos e actuar mais nos domínios da família, da violência doméstica e da pobreza", refere Torgal Ferreira.
Carlos Azevedo, porta-voz da Conferência Episcopal, lembra que os bispos já não iam há oito anos visitar o Papa. Normalmente, o relatório e posterior encontro ocorre de cinco em cinco anos, mas a doença de João Paulo II impediu que o encontro se concretizasse em 2004. "O Papa comunga das preocupações dos bispos. Nós próprios reconhecemos dificuldades na relação entre leigos e clérigos".
A falta de comunicação pode ter múltiplas explicações quando se analisa exclusivamente as responsabilidades do lado do clero, sem negligenciar a crise de valores e défice de participação cívica. "Nos documentos oficiais de bispos e do próprio Papa, há um tipo de linguagem tão especializada que, para a grande maioria das pessoas, não cola.
Uma percentagem significativa dos padres tem uma mentalidade muito individualista.
Por isso mesmo, os leigos não desempenham o papel que podiam e deviam", sublinha Vaz Pinto, sacerdote jesuíta. "O acto privilegiado da Igreja - a homília - é um monólogo e não um diálogo. E não há homília que resista à realidade do mundo em que vivemos", diz Teresa Toldy.
"Se a Igreja continuar a insistir numa estruturação clássica de paróquias, é óbvio que isso contribui para o anonimato dos crentes. Tem de haver mais descentralização, isto é, estruturação em comunidades pequenas", refere Teresa Toldy. "O futuro passa pela ligação através de uma pequena igreja ou comunidade [equipa de jovens ou de Nossa Senhora, entre outras] na qual é possível conhecer pessoas com a mesma mentalidade e o mesmo tipo de problemas, e não necessariamente unidos geograficamente como acontece com as paróquias", afirma Vaz Pinto.
A vivência da fé é muito concentrada no culto mariano, esquecendo o âmago da fé? "A grande maioria dos adultos sabe muito pouco da sua própria fé. Muitas peregrinações, muitas idas a Fátima, muita emoção. O problema não é o culto mariano em si, mas sim quando ele é vivido de forma desligada de tudo o resto. Se separamos as coisas e hipertrofiamos, esquecemo-nos do fundamental", alerta Vaz Pinto.
Importância da catequese O Papa chama a atenção para as aparentes falhas nos percursos de iniciação, isto é, na catequese. Um problema novo? "A mensagem do Papa enfatiza e reitera o que está dito em alguns documentos normativos da prática catequética da Igreja, como é o Caso do Directório Geral da Catequese (1997)", explica Maria Isabel Oliveira, a primeira leiga a assumir o cargo de directora do secretariado diocesano de Educação Cristã, no Porto. "A família, por influência de algumas correntes contrárias ao Evangelho, dos media, do consumismo e de certos critérios morais, deixou de dar a fé a beber com o leite materno", refere, entre muitas outras explicações, Maria Isabel Oliveira.
Lumen GentiumÉ o documento fundamental do Concílio Vaticano II. Desenvolve e completa a doutrina sobre a Igreja como mistério, sociedade hierárquica e corpo místico de Cristo.
Gaudium et SpesTrata da contextualização da Igreja no mundo contemporâneo. A actividade humana no mundo, os problemas do matrimónio e da família, a promoção sã da cultura, da economia e da vida social são alguns dos temas mais focados.
O apostolado dos leigos Neste documento reflecte-se sobre o papel dos leigos no apostolado, considerado cada vez mais "essencial" por causa da cada vez maior autonomia de muitos sectores da vida humana. Facto que trouxe a separação entre o ético e o religioso.
JN - 02-12-2007