E aos costumes dizem nada
19 de Nov de 2007 - Expresso
Bento XVI chamou os bispos portugueses a Roma para lhes dar
uma reprimenda exemplar e inesperada: Portugal, segundo o Papa, vai mal de verdadeira fé e de militância católica: muito folclore e pouca
substância. Esta foi a resposta que a Igreja Católica portuguesa
recebeu ao convite para que o Papa viesse a Fátima para a inauguração
da nova (e lindíssima) basílica do Santuário. Menos Fátima e mais
Evangelho, respondeu-lhes Bento XVI. Menos multidões nas datas marcadas no Santuário e mais gente nas igrejas e na vida das paróquias.
Sob a chefia de João Paulo II, a Igreja portuguesa viveu anos
pacíficos, adormecida à sombra de 'verdades' imutáveis e tranquilas:
95% de baptizados, logo de católicos; um código consistente de direitos
e privilégios garantidos pelo Estado e cujo núcleo duro nunca foi posto
em causa; e uma crescente reanimação pelo chamado 'culto mariano', que todos os anos arrasta multidões até Fátima, numa demonstração de
fanatismo religioso que nada fica a dever às de outras religiões para
que costumamos olhar com a sobranceria de quem contempla manifestações de selvagens fanatizados. João Paulo II - provavelmente o pior Papa que a Igreja teve desde Pio XII - era muito dado a essas manifestações de fé colectiva e irreflectida, ampliadas pela televisão e os "media".
Verdadeiramente, ele acreditava que, afinal, o reino de Deus era deste
mundo e que aqui é que se travava a batalha decisiva: tudo o que lhe
cabia fazer, enquanto representante de Cristo na terra, era viajar
quanto pudesse, arrastando atrás de si as televisões e as legiões de
fiéis.
O Papa Ratzinger é diferente. Ocupou-se da doutrina enquanto Woytila
se ocupava da fé. Teólogo, intelectual brilhante, com uma noção da
intemporalidade da Igreja que vai muito além dos fenómenos passageiros
de histeria de massas, ele sabe que 300.000 peregrinos em Fátima não
significam 300.000 cristãos no dia-a-dia da Igreja e das suas próprias
vidas. Sabe que há católicos, e a grande maioria, que é capaz de viver
364 dias por ano ao arrepio da moral e dos mandamentos da Igreja e um
dia por ano a conquistar a absolvição dos seus 'pecados' numa excursão
a Fátima, mais ou menos penosa. E sabe que a fé e a religião são coisas
diferentes disso.
Penso que nem mesmo o mais disponível dos católicos é capaz de olhar
para o Papa Ratzinger e ver nele o representante de Deus ou o enviado
de Cristo a este mundo. Mas, em contrapartida, o seu pontificado é
capaz de vir a resultar mais útil para a igreja católica do que os
longos anos de papado do seu antecessor. A sua mensagem vai-se tornando progressivamente clara: mais substância e menos aparência
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Parte do paleio do Sousa tavares no Expresso
Da religião só me interessa o modus ...bla bla