Entrevista a JOSÉ ANTÓNIO SARAIVA
José António Saraiva conserva um recorde difícil de bater: ele é o director que mais tempo se manteve à frente de um jornal em Portugal, durante quase um quarto de século. Em 2006, bateu com a porta e abandonou o “Expresso”, reuniu as suas “tropas” e fundou o “Sol”, um semanário que, ainda espera, poder ultrapassar o mais influente jornal nacional.
Nesta entrevista reforça as farpas dirigidas ao “Expresso”, descreve a “promiscuidade doentia” entre jornalistas e políticos e aborda a “domesticação das redacções” pelos grupos económicos e os riscos que a “despersonalização do jornalismo” acarretam para os profissionais mais jovens. Sobre a educação, afirma que é preciso traçar um rumo e acabar com a lógica de zigue-zague. Para tal, defende um pacto entre os dois maiores partidos políticos, com o alto patrocínio do Presidente da República.
O “Sol” nasceu a 16 de Setembro de 2006. Que balanço faz de um ano de vida deste semanário?Para um jornal que ainda nem sequer gatinha, o balanço que faço é positivo, a vários níveis: o ambiente interno é óptimo (dois terços da redacção tem menos de 30 anos), existe muita motivação e creio que conseguimos criar uma “ilha” de liberdade e de criatividade no panorama da Comunicação Social portuguesa. No primeiro discurso que fiz à redacção, comecei por proferir três palavras que achava deviam nortear este projecto: “alegria”, “alegria” e “alegria”.
As vendas estão dentro das expectativas?Estamos um pouco acima dos 50 mil exemplares, depois de na fase inicial termos ultrapassado os 70 mil. A publicidade está um pouco abaixo das nossas expectativas e, por isso, tem de ser melhorada. Quanto ao grau de influência do “Sol”, está de acordo com aquilo que eu esperava. O jornal já marca muito o fim de semana e, consequentemente, a agenda. Liderámos alguns casos muito mediatizados, como foi a Ota, e estou convicto que contribuímos para o recuo do Governo, evitando um erro que seria estruturante para o País. Não tenho dúvidas que o “Sol” é o jornal que dá mais notícias e tem melhor informação, especialmente no plano político e nacional.
Disse numa entrevista que «o “Sol” é a máquina mais perfeita de fazer jornais em Portugal», tendo recebido de imediato a resposta da administradora do “Expresso”. A guerra de palavras parece ter agora acalmado. Como reage quando dizem que fundou o “Sol” para ajustar contas com os responsáveis do seu antigo jornal?O projecto “Sol” tinha sido proposto a Pinto Balsemão, dono do grupo Imprensa em que se inclui o “Expresso”, que o rejeitou. Foi uma decisão que respeitei, mas quando abandonei o “Expresso” procurei, juntamente com a minha equipa, reunir investidores para o lançamento de um novo jornal. Eu pretendia cumprir um objectivo e nunca fazer um ajuste de contas com quem quer que fosse. “Vamos ser adversários, mas espero que nunca sejamos inimigos”, lembro-me que foi uma das últimas frases que troquei na despedida com Balsemão.
O “Expresso” continua a manter a liderança de forma destacada...Continuo a insistir no argumento que o nosso objectivo é ser líder e ultrapassar o “Expresso”. Numa sociedade de mercado é legítimo e saudável pensar deste modo, até porque, acicata a concorrência a também ela fazer melhor. Quando falo em “máquina mais perfeita de fazer jornais”, isso reflecte-se no produto que é o “Sol”. Em termos puramente contabilísticos, posso afirmar, sem margem de erro, que em 10 manchetes do “Expresso”, 8 são entrevistas. O que mostra que a redacção não funciona e está efectivamente morta. Uma manchete que deriva de uma entrevista reflecte pouco trabalho e pouca capacidade para produzir notícias.
Há quem critique o “Sol” por ser híbrido, um misto de jornal de referência e tablóide...O “Sol” é um organismo de tipo novo em Portugal. Olhando o panorama da imprensa internacional, verifiquei que os tablóides cresciam ou mantinham-se, enquanto os de referência decresciam ou caíam a pique.
Procurei um equilíbrio inteligente, uma espécie de bissectriz, onde se fizesse um jornalismo de referência, com alguma agressividade na mensagem.
Quando formei a redacção, tinha em mente romper a informação de tipo convencional e criar rubricas inovadoras. Nesse sentido, recrutámos pessoas no “24horas”, “Expresso” e em jornais regionais, com capacidade para lidar com a diversidade de informação e de temas. O resultado final é um produto distinto dos demais existentes no mercado. Somos o primeiro grande jornal que nasce no século XXI e por isso é natural que a nossa abordagem seja distinta.
Foi director do “Expresso” ao longo de 23 anos. Disse que o director desse semanário tem mais poder que o Presidente da República. É verdade?Não foi bem isso que eu disse. Disse e mantenho que é mais interessante ser director do “Expresso” do que Presidente da República.
Sentiu-se um dos homens mais poderosos e influentes do País?De maneira nenhuma. Sempre me fechei no gabinete para me resguardar desses cenários e procurar ser o mais fiel possível à realidade. Aliás, daqui deixo um alerta: os jornalistas não se devem deixar inebriar pelo poder que têm. Porquê? Ao acharem que são muito poderosos acabam, na sua acção quotidiana, através do que escrevem, por procurar influenciar o rumo dos acontecimentos e isso é a perversão do jornalismo. O jornalista tem de ser espectador, não pode ser actor. Tem que reflectir a realidade e não procurar intervir nela.
Foi o inventor de uma das imagens de marca do “Expresso” , o saco. Como se sente quando lhe é atribuída essa paternidade? O saco é uma ideia que tem em vista cumprir um objectivo de crescimento comercial e editorial, mas, sobretudo, resolver uma questão de natureza prática. Ao sábado de manhã observava situações incómodas e algumas mesmo ridículas para os leitores segurarem os múltiplos suplementos e encartes do jornal, que em certas edições tinha 1 kilo ou mesmo mais. Houve algumas campanhas negativas, mas as maiores resistências que tive para adoptar o saco foram internas, mas apenas por questões de custo. Tratava-se de um investimento muito caro. A moda pegou e hoje vários jornais, inclusive o “Sol”, são vendidos dentro de um saco.
Referiu, quando era director do “Expresso”, que o adversário que mais trabalho lhe deu foi o “Independente”, no tempo de Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso. Acha possível no futuro reeditar um projecto jornalístico nesses moldes?A capacidade de entusiasmar as novas gerações foi o grande trunfo do “Independente”. A sua grande ameaça foi o novo espírito que trouxe ao jornalismo português: liberdade critica, irreverência, uma linguagem fresca e menos institucional. Nessa medida, o “Independente” revolucionou o panorama jornalístico nacional.
O “Expresso” teve de mudar, embora de forma discreta, para não dar ideia que estava a responder directamente, o que seria um sinal de fraqueza. Por isso, quando me pedem para definir de forma simples o “Sol” eu digo que procura ser um cruzamento entre o lado institucional do “Expresso” e o lado irreverente do “Independente”.
Respondendo em concreto à questão, e tendo em conta que ocupámos uma parcela do espaço que pertencia ao “Independente”, estou em crer que o aparecimento de outro semanário nos mesmos moldes do fundado por Portas é impossível.
O “Independente” ficou conhecido por derrubar ministros e secretários de Estado. Esse objectivo pode tornar-se uma obsessão para um director?Para quem tem objectivos de uma carreira política, sim. Era o caso de Portas. Não é o meu. Acredito que Portas, que hoje é meu colaborador no “Sol”, tenha tido esse deslumbramento.
O “Expresso” também contribuiu para a demissão de muitos políticos e isso nunca me deslumbrou, até porque os meus interesses na profissão foram sempre jornalísticos. Nem nunca entendi isso como se de uma medalha se tratasse na minha farda enquanto director ou na do jornal que dirigia.
O fio condutor das minhas crónicas foi sempre o de doutrinar sobre um determinado comportamento tendo em vista melhorar o funcionamento da classe política e o sistema de governo.
Privou durante estes anos com dezenas de políticos, cujo relacionamento esmiuça no seu livro “Confissões”. Como é que os políticos reagem à critica? Gostam de pressionar?É evidente que os políticos gostam de pressionar. Mas eu não sou muito susceptível de ser pressionado, até porque me resguardo o mais possível. Mas tentativas de pressão por parte de políticos ou pessoas da banca, é claro que existem.
Teve reacções desagradáveis após a publicação de certas notícias ou crónicas?Tive vários contratempos. Existiram cortes de relações, inclusive: Manuel Maria Carrilho, Marcelo Rebelo de Sousa, Paulo Portas, Freitas do Amaral, etc.
Os argumentos que ouvimos dos visados sobre as intenções de quem faz uma primeira página, são os mais díspares: todas as semanas me chegavam as interpretações mais variadas e conspirativas sobre o desenho da primeira página que eu fazia, desde o líder partidário até ao Palácio de Belém.
A sociedade portuguesa é demasiado pequenina e é difícil evitar que muitas mentes vislumbrem maquinações, conspirações e objectivos ocultos em tudo.
Como procurou abster-se dessas pressões?Isolando-me. Fiz isso no “Expresso” e faço isso no “Sol”. O desenho da primeira página é um exercício solitário no sentido de não sofrer pressões externas e internas. O respeito pela verdade e o corresponder ao interesse e confiança dos leitores são os únicos valores que me movem.
Diz no “Confissões”, onde relata dezenas de almoços que teve com personalidades de diversos quadrantes, que “na política, os grandes segredos dizem-se à mesa”. Não acha que estas situações favorecem alguma promiscuidade entre jornalistas e políticos?Reconheço que existe uma promiscuidade quase doentia, que nalguns aspectos resvala para situações sórdidas e condenáveis.
Creio que o “Expresso” foi um pouco responsável por isso. Pinto Balsemão incentivou os contactos à mesa entre jornalistas e as fontes, nomeadamente com os célebres almoços no “Pabe”. Por arrastamento, outros jornais começaram a fazer o mesmo.
Depois, com a mediatização brutal da sociedade, que por vezes quase nos violenta, a classe política procura tirar partido da confiança que tem junto do jornalista devido à sua posição de privilégio que desfruta na sociedade.
Por isso, assistimos a muitos episódios em que a informação é completamente orientada, na medida em que o jornalista é sensível ao charme do político e ao convite para almoçar, ou para ir a sua casa, etc..
É difícil gerir estas situações do ponto vista pessoal e profissional?Sempre foi um dos temas que mais me custou a gerir no íntimo. Aconteceu e acontece ir almoçar com um político a meio da semana e no sábado estar a escrever uma crónica a criticá-lo.
Com que políticos diz, sem rodeios, que estabeleceu uma relação de amizade?Com Durão Barroso e Cavaco Silva, por exemplo. Houve tempos em que falava diariamente e almoçava correntemente. Já com Guterres tive uma amizade que entretanto se estragou enquanto ele esteve no governo. O mesmo se passou com Marcelo.
Sócrates tem feito o suficiente para conseguir ser reeleito em 2009? É imprevisível, mas a intuição diz-me que Sócrates vai ser reeleito, a menos que haja algum sobressalto, fundamentalmente devido à determinados factores pessoais: gosta do poder, é determinado e é um bocado autoritário, características que revertem a seu favor.
Tem ainda a vantagem de o actual ciclo político ser do PS. Ele é o Blair à portuguesa, um político um pouco de plástico que utiliza o marketing com mestria. Para quem está na oposição é difícil fazer melhor. E a oposição é um exercício de desgaste, ainda para mais quando um governo exerce o poder minimamente bem.
Curiosamente, e nunca vi isto escrito, Sócrates e Cavaco, são os dois únicos líderes de executivo com maioria absoluta, que nunca estiveram na oposição. Fazer oposição política desgasta. Perde-se quase sempre e quase nunca se ganha.
Que desafios se colocam à imprensa com o advento dos jornais gratuitos?Contrariamente ao que se diz, os jornais não estão em crise. Há é alguns jornais que estão em crise, nomeadamente os de referência, tipo “Expresso”, “Público” e “DN”. Mas é preciso desmistificar a crise: temos 3 diários desportivos, 3 diários económicos, 2 diários gratuitos e será lançado outro em Setembro. Portanto, nunca houve tantos jornais como hoje. O que se passou é que os jornais evoluíram, uns regrediram e outros cresceram.
A popularidade das edições online vai matar os jornais?A História diz que o advento de um meio nunca pôs em causa outro meio, no sentido de o condenar. Isso aconteceu quando o cinema apareceu e falou-se que o teatro estava condenado. Não se verificou. Disse-se que a televisão ia matar o cinema e a rádio. Também não aconteceu. Todos estes meios mantêm-se, com a particularidade de se terem adaptado. É isso que eu prevejo que vai acontecer com a Internet e a imprensa.
Pensa então que a imprensa escrita de uma forma geral vai escapar incólume à crise que se assiste?O futuro dos jornais diários pagos está ameaçado. A concorrência da Internet, 24 horas por dia, a SIC-Notícias e os jornais gratuitos, aliada à falta de tempo das pessoas, concorrem no mesmo sentido, levando os leitores a preferir os semanários e as revistas.
Nesse sentido, temo pela sobrevivência do “Público” e do “DN”. Estão ambos numa situação quase desesperada. Há meia dúzia de anos vendiam 70 mil e agora não chegam aos 40 mil, com a agravante de distribuírem brindes diariamente...
Continua a achar que os brindes são uma “droga” que vicia os leitores e tem efeitos perversos?Os brindes são algo de fatal e o “hara-kiri” para os jornais. Primeiro porque desvalorizam o produto e segundo porque induz-se no mercado que o projecto jornalístico não vale por si mesmo. Finalmente, criam habituação, é como a droga. É uma via sem recuo e suicida. E já sem falar que são um investimento avultadíssimo.
A campanha que o “Expresso” fez em 2006 de oferta de dvd’s para combater o aparecimento do “Sol” teve um impacto de tal ordem que os lucros do jornal relativamente ao ano transacto desceram para metade. Acredito que o “Expresso” assinou a sua sentença de morte quando entrou pela via de oferecer dvd’s durante semanas a fio. Espero que o “Sol” nunca enverede por esse caminho.
(continua)