Ele fotocopiou, sim
EM QUALQUER país menos atordoado do que este, em que o que é anormal passa por normal, a manchete do "Expresso" da semana passada faria rolar cabeças.
No país dos brandos costumes, dá um encolher de ombros.
O Portas andou a fotocopiar documentos secretos do Ministério da Defesa na véspera de sair de ministro?
61.893 páginas?
E eram "notas pessoais" relacionadas com a sua chefia do CDS, apesar de as pastas terem na lombada a palavra "Confidencial"?
E "Submarinos", "ONU", "Guerra do Iraque", "NATO"?
E o Ministério Público não investigou?
E outros ministros, Morais Sarmento, Nobre Guedes, Telmo Correia, também digitalizaram documentos dos respectivos ministérios sem que ninguém queira saber o que foi digitalizado?
Paulo Portas, quando interrogado por jornalistas numa das feiras que começou a visitar, respondeu em tom de desafio: "Fotocopiei, sim". E "pagou do bolso dele".
Isto, apesar de o "Expresso" ter escrito que quem pagou as "fotocópias" foi um tal André Huet, assessor jurídico, e que Portas depois "acertou contas". Que me lembre, durante o processo da Universidade Moderna, a propósito de uns cheques cujos montantes eram mais ou menos nebulosos e os fins também, Portas defendeu-se dizendo que era péssimo em contas e com cheques.
Coerência não falta a Paulo Portas. Inteligência também não. Neste capítulo, Portas está uns bons furos acima do comum das criaturas que por aí andam julgando-se políticas.
Ele é o autor de uma das carreiras mais extraordinárias da vida política portuguesa, fazendo e desfazendo líderes e partidos, teses e jornais, ideologias e reputações. É inteligente e sabe proteger-se correndo mais riscos do que qualquer um. Penso que Portas nunca será apanhado em nada que o incrimine, directa ou indirectamente, por esta razão.
Em todo o caso, como cidadã portuguesa e membro de um Estado de Direito, como contribuinte e eleitora informada, sinto-me no direito de fazer algumas perguntas. Em primeiro lugar, gostaria que alguém, de um modo claro e transparente, me explicasse quanto vão custar os dois submarinos que Portas comprou e que são duas armas de guerra que a própria NATO considerou desnecessárias.
Gostaria de saber como vamos pagá-los, e quando, e onde, e quando estão prontos.
Gostaria de saber em quanto esta compra endividou os endividados portugueses, visto que o próprio ministro das Finanças Teixeira dos Santos se lamentou que a dívida agravava o défice.
Gostaria que me fosse explicado se, de facto, neste momento particular da sua história, Portugal precisa de dois submarinos de guerra que custam milhares de milhões de euros.
E gostaria de saber quais as contrapartidas reais desta compra.
Gostaria de saber mais uma ou duas coisas.
Pode um ministro, que não passa de um funcionário público eleito ou nomeado, e que tem de responder pelos seus actos perante o Estado português e perante os eleitores dos Governos, pode esse ministro, repito, introduzir pessoas de uma empresa privada de digitalização de documentos, pelas traseiras do Ministério de Defesa, entre as 20 e as 21 horas de um sábado, para irem ter com um assessor do ministro que as espera, e a seguir copiarem os documentos que o assessor mandar, supõe-se que por ordem do ministro? Segundo uma testemunha, as pessoas da empresa apenas disseram ao militar de guarda à cancela que iam ter com o referido assessor e ele deixou-as entrar sem exigir identificação.
É assim que se guardam os segredos do Estado português? E quem decide o que é pessoal e o que é nacional?
O ministro da Defesa Paulo Portas na véspera de sair?
E por que é que os papéis do líder do CDS Paulo Portas são fotocopiados no Ministério da Defesa e não na sede do partido, e misturados com as pastas e documentos confidenciais sobre o Iraque, os submarinos, a ONU e a NATO? O que têm as notas pessoais do líder do CDS a ver com as decisões nacionais do ministro da Defesa Paulo Portas?Nos Estados Unidos, país que Paulo Portas admirava galhardamente governado pelo seu amigo Donald Rumsfeld, ele estaria a responder perante uma Comissão de Inquérito.
Seria cozinhado em fogo lento no Congresso.
Seria devassado pelo jornalismo de investigação. E seria indiciado pelo procurador-geral e incriminado.
E, provavelmente, posto na prisão. "You have been served", como nos filmes. Os americanos não brincam com segredos de Estado.
Portugal, pelos vistos, brinca.
E o
DCIAP, sigla do organismo judicial investigador destas manobras no âmbito do caso Portucale, outra história que nunca saberemos, "adiantou um argumento dedutivo", diz o "Expresso", para nunca ter ouvido Paulo Portas sobre tais actos:
"O apurado quanto à digitalização realizada noutros ministérios permitiu atenuar as suspeitas que recaíam sobre a digitalização realizada no MDN, sendo certo que, face à ausência dos suportes das gravações e de indícios de um propósito de divulgação, não se mostravam preenchidos os pressupostos da verificação do crime". Perceberam?
Se outros levam segredos de Estado, e se não sabemos o que foi levado, e se parece que não vão divulgar, então isso não é crime.
Uma última pergunta:
- Quem tem medo de Paulo Portas?Clara Ferreira Alves
Expresso - 19-11-2007
Pois .....