Prisões não sabem como vão aplicar lei
FERNANDA CÂNCIOÉ possível que só se permita fumar no exterior "Ainda
não se fez uma adaptação das prisões à aplicação da lei", reconhece o
director-geral dos Serviços Prisionais, Rui Sá Gomes. "Já adquirimos os
dísticos 'proibido fumar', mas ainda não decidimos se se vai poder
fumar nas celas ou não. Depende daquilo que a Direcção-Geral de Saúde
(DGS), à qual pedimos um parecer, nos diga. Se disserem que é
obrigatório colocar extractores de fumo ou ventiladores em cada cela,
não vai ser possível fumar nas celas, porque não tenho orçamento para
isso." A possibilidade restante seria a de permitir fumar nos espaços
exteriores - pátios, etc. - e em locais expressamente reservados para o
efeito. Mas também estes têm de obedecer a regras estritas: ventilação
própria e separação das restantes áreas. A Direcção-Geral acordou tarde
para a realidade de uma lei aprovada a 14 de Agosto? Rui Sá Gomes acha
que não: "Bom, há coisas em que é só preciso decidir se se fuma ou não.
E se não houver hipótese, não se fuma dentro dos edifícios e pronto."
Uma possibilidade que, não nega, "será geradora de tensões": "Se não
puderem fumar vai ser complicado." Afinal, segundo o levantamento que o
director-geral ordenou que se efectuasse nas últimas semanas, metade
dos 12 mil reclusos têm o vício do tabaco. E estão habituados, como
todos os outros fumadores, a fumar em quase todo o lado: só nos
refeitórios e nos serviços clínicos era interdito o fumo. Celas,
corredores, bares e demais espaços eram zona franca. O que significa,
naturalmente, que os seis mil não fumadores eram forçados, mesmo dentro
das celas colectivas (onde os reclusos passam uma parte substancial do
tempo, já que de um modo geral são encerrados a partir das cinco ou
seis da tarde e só podem sair às seis ou sete da manhã) a conviver com
o fumo dos outros. Agora, a situação inverte-se. E a reacção dos
fumadores, prevê-se, será bem mais notória que a dos não fumadores.
Janelas não são ventilação
Certo é que há dois meses, quando o DN contactou pela primeira vez os
Serviços Prisionais para averiguar da forma como tencionavam aplicar a
lei, Rui Sá Gomes estava tranquilo. "É necessário impor regras mas há
muito pouco a adaptar." Para o director-geral dos Serviços Prisionais,
a resolução do problema parecia simples: "Vai haver celas para
fumadores e para não fumadores." A coisa só se complicou quando Rui Sá
Gomes foi informado pela DGS de que as janelas, existentes em cada
cela, não constituem, do ponto de vista da legislação, mecanismos de
ventilação adequados. Tomou então a decisão de solicitar um parecer à
DGS. Que adiantou ao DN a eventual solução: "É possível criar alas para
fumadores, desde que exista separação física - e aí, em princípio, não
será necessário instalar extractores ou ventiladores nas celas", diz
Nina de Sousa Santos, a jurista da DGS que tem estado a analisar a lei
para dar indicações para a sua aplicação prática. Nas alas para
fumadores, frisa, seria possível fumar até nos corredores, desde que
não estejam em comunicação com os restantes espaços - ou seja, com as
alas para não fumadores -, situação que em vários estabelecimentos
prisionais é relativamente fácil de garantir, já que foram assim
construídos (caso do estabelecimento prisional de Lisboa, por exemplo).
Um vício que "acalma"
O problema seria então reorganizar todo o sistema prisional em função
da opção tabágica, o que não parece ser fácil. " Eles nem conseguem
separar os doentes com infecto-contagiosas, quanto mais", comenta Jorge
Alves, o presidente do Sindicato do Corpo de Guardas Prisionais. "Que
eu saiba, ainda não há orientação nenhuma sobre a lei. Não ouvi falar
de nada, nem de inquérito nenhum aos presos. Mas, como não fumo, para
mim era bom que acabasse o fumo nas cadeias." Alves não tem dúvidas de
que alguns colegas fumadores podem não gostar, mas ressalva: "Eles
podem sempre ir à rua fumar. Para os presos é que é mais complicado,
porque estão privados da liberdade e isto é um vício que os acalma um
pouco."
Estado deve dar exemplo
Para dirimir os efeitos da entrada em vigor das restrições, Emília
Nunes, que dirige a "pasta" da aplicação da lei na DGS, sugeriu aos
Serviços Prisionais se criem consultas antitabágicas nas
penitenciárias. "É também muito importante sensibilizar os reclusos
para a lei. Claro que é necessário encontrar soluções para os
fumadores, porque os presos não têm as alternativas que as pessoas
livres têm. Estudar a criação de salas de fumo, por exemplo. Mas fumar
dentro dos edifícios é sempre pior que fumar ao ar livre, porque não
existe - é a Organização Mundial de Saúde que o diz - nenhum sistema de
ventilação e extracção de fumos cem por cento eficaz na eliminação do
fumo e das partículas. E no limite o não fumar tem de prevalecer. É
esse o espírito da lei." E para esta médica é claro que deve ser o
Estado - e as suas diversas instituições, o que obviamente inclui a
Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, "a dar o exemplo", não
tergiversando na sua aplicação. Até porque quase toda a discussão sobre
a lei tem incidido nos estabelecimentos privados - e estes verão
qualquer falha do sector público como um álibi.