Cruz Roja e outras ONG pagam o bilhete de autocarro para Lisboa aos guineenses dos ‘cayucos’. Pode ser crimeImigrantes guineenses fazem 9000 km a pé, de carro e de piroga para alcançar Portugal. Em Espanha, as ONG ajudam FOTO ANA BAIÃOOrganizações espanholas de apoio aos imigrantes, como a Cruz Roja e a Comisión Española de Ayuda al Refugiado (CEAR), estão a ajudar estrangeiros indocumentados a entrar em Portugal, o que pode configurar crime de auxílio à imigração ilegal. Os visados são na maioria guineenses, detectados pela Guardia Civil quando chegam de piroga às Ilhas Canárias e que Espanha não consegue extraditar, em tempo útil.
Os porta-vozes destas ONG confirmaram ao Expresso que, quando os imigrantes têm família ou amigos dispostos a acolhê-los em países vizinhos, os voluntários ajudam-nos a arranjar transporte até lá. E se para os guineenses o destino escolhido é Portugal, muitos subsarianos viajam até França ou Bélgica.
Mamadu, Seiko, Mussa, Samba, Buba e Djue, que relataram as suas odisseias já em solo português, contaram todas com esta ajuda humanitária. “Disse-lhes que queria ir para Portugal. Eles ligaram à minha família, que vive na Damaia, e compraram o bilhete de autocarro para Lisboa”, explica Seiko Djaló. Chegou ao terminal de Sete Rios em 2006, um ano depois de ter partido da Guiné-Bissau, atravessado de camioneta o Senegal, Mali, Nigéria, Argélia, até Marrocos, e atracado de piroga na Gran Canaria.
Quando um imigrante indocumentado é interceptado junto à costa espanhola, é levado para um Centro de Internamiento de Extranjeros, onde só pode ficar 40 dias. Se nesse prazo não for determinada inequivocamente a sua nacionalidade, tem de ser libertado e cai num limbo jurídico. Nem pode ser expulso nem legalizado. Fica então sob a tutela das ONG, que têm 15 dias para lhe arranjar uma alternativa à vida certa de marginalidade ou de mão-de-obra escrava.
“Ainda que seja por motivos humanitários, estão a auxiliar a imigração ilegal para outro país. E isso não pode ser”, comenta Manuel Jarmela Palos, director-geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) português. Salienta, porém, que investigações recentes não permitiram confirmar a ajuda directa das ONG à viagem dos ilegais para Portugal. “Apurámos só que os guineenses usam o «pocket money» dado pelas organizações para comprar o bilhete. E não há registo de casos recentes”. O Ministerio del Interior espanhol não comentou o caso.
O SEF garante estar há muito referenciada a rota Guiné-Portugal - via Senegal, Mali, Niger, Líbia, Argélia, Marrocos e Espanha -, que vários jovens encetam anualmente com ajuda de traficantes. Mas acrescenta que “o número de pessoas que a utiliza e que depois é detectado em território nacional não é significativo”. À associação Solidariedade Imigrante, em Lisboa, chegam novos casos todos os dias.
Angel Luis de La Calle, correspondente em Madrid
Raquel Moleiro
COOPERAÇÃOSEF legaliza 38 vítimas de tráfico
Em 2007, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) concedeu 38 autorizações de residência a estrangeiros ilegais em Portugal, em troca da sua colaboração com a Justiça no âmbito de processos de investigação criminal. A nova lei permite regularizar os imigrantes que sejam ou tenham sido vítimas de tráfico de pessoas ou de auxílio à imigração ilegal, mesmo que tenham entrado ilegalmente no país ou não preencham as condições de concessão de autorização de residência. Para tal, é preciso que o cidadão estrangeiro mostre vontade clara em colaborar com as autoridades na investigação e repressão do tráfico de pessoas e que tenha rompido as relações que tinha com os presumíveis traficantes.
A Associação Solidariedade Imigrante, que trabalha activamente na legalização de vítimas de tráfico, já organizou perto de duas centenas de processos. Mais de 60 foram enviados para o SEF.
R.M.
Expresso