O TERREIRO DO PAÇO
Desde pequeno que o Terreiro do Paço faz parte da minha vivência.
Primeiro, porque foi o lugar das minhas brincadeiras com rapazes da minha idade durante as duas horas de almoço que então o comércio tinha.
De tal maneira que em certa altura pouco faltou para mergulhar sem querer no cais das colunas. Era a época em que os barcos "cacilheiros" (aonde se vendiam rebuçados "cada cor seu paladar" a dois tostões a unidade), atracavam ao cais das colunas encostando-se às escadas de pedra e por vezes às próprias colunas, que várias vezes foram derrubadas. Mais tarde foi construído um cais próprio com um pontão, deixando os barcos de encostar nas escadas de pedra.
Nesse tempo, havia sanitários públicos para homens e para senhoras em frente do actual Ministério das Finanças e o chão era térreo, de acordo com o nome porque era conhecido o local, embora se insistisse burocraticamente em chamar-lhe "Praça do Comércio".
Não havia automóveis estacionados no Terreiro do Paço porque ainda nem toda a gente tinha automóvel.
A estátua de D. José colocada bem ao meio, era para mim uma obra extraordinária e continua a sê-lo, muito especialmente depois que tomei contacto com a complexidade da escultura e do seu transporte desde o actual Museu Militar até ao local aonde foi colocada, transportada em carros de bois. As colunas dos seus edifícios e o arco monumental da Rua Augusta com o seu relógio, que até trabalhava, e dava horas encerravam o meu encanto por aquele local. *
O tempo foi passando, a forma de vida em Lisboa foi-se alterando, cedendo o terreiro ao alcatrão e nascendo nesse local um parque de estacionamento automóvel aonde se perdia a monumentalidade da estátua de D.José.
Desapareceram os sanitários e os carros eléctricos que dali saiam para Algés, Cruz Quebrada e Ajuda estão agora reduzidos à saída para a Ajuda.
Os edifícios que tinham uma tonalidade cor de vinho, passaram à tonalidade cor-de-rosa e finalmente à cor amarela.
João Soares, acabou com o parque de estacionamento e deu um novo piso ao antigo terreiro, que perdeu o alcatrão a favor de placas pré fabricadas de cimento e gravilha. O aspecto melhorou mas devido às constantes agressões de que é vítima, encontra-se em grande parte deteriorado.
Entretanto, porque as arcadas constituem um bom refúgio para os rigores do tempo, os sem abrigo resolveram ocupar as arcadas do lado oriental e ali dormem, fazem as suas necessidades fisiológicas, incomodam quem passa e ninguém responsável parece incomodar-se com isso.
A vista da paisagem extraordinária que dali se disfruta, está inibida a quem passa desde há cerca de 10 anos, época em que começaram as obras da estação do metropolitano do Terreiro do Paço. É uma perfeita agressão à cidade.
A verdade é que a praça mais nobre da cidade tem estado num abandono tal que causa descrédito a qualquer autarca responsável.
Com a chegada ao poder, António Costa propôs-se “dar vida” àquele local. Para tal, resolveu fechar o Terreiro do Paço ao trânsito automóvel aos domingos. O que conseguiu com esta decisão, foi exactamente o contrário. Somente quando há acontecimentos como aquele do dia 11 de Novembro (dia de S. Martinho com castanhas assadas gratuitas), é que se consegue dar vida ao local.
No Expresso de Sábado, dia 3 de Novembro, Miguel Sousa Tavares escreveu um artigo sobre este acontecimento. O que ele diz não é nada excessivo, sendo uma crítica bem conseguida à decisão da actual vereação.
Afirma ele: Deslocou-se ao Terreiro do Paço no domingo anterior para observar localmente o efeito da decisão camarária de fechar o trânsito no Terreiro do Paço e observou o seguinte:
Gente, havia meia dúzia de pessoas a tirar fotografias à estátua de D. José.
Tentou almoçar num restaurante que ali existe e para seu espanto, ao domingo aquele restaurante só serve sandwiches e bebidas. Tentou almoçar no Martinho da Arcada, mas estava fechado. Deslocou-se mais para o interior e teve dificuldade em conseguir um restaurante aberto. Entretanto, o trânsito que foi desviado para não atravessar o Terreiro do Paço, engarrafou-se nas ruas para onde foi desviado com prejuízo dos transportes públicos que ficaram também no engarrafamento. Isto é o que acontece ao domingo.
Por observação própria, desde há muito tempo que constato o seguinte:
O Terreiro do Paço é o local por onde passam todos os dias milhares de pessoas apressadas para apanhar o transporte fluvial para a margem sul do Tejo ou saem desses transportes para se dirigirem, também, apressadamente para os seus empregos. O trânsito automóvel é intenso, seja de viaturas particulares seja de transportes públicos que recebem e largam pessoas para irem para os seus empregos. Pessoas a disfrutar daquela maravilha arquitectónica, são poucas com excepção de alguns excursionistas ou turistas estrangeiros.
No lado ocidental da praça, encontram-se os ministérios da defesa e da agricultura. No lado Norte, encontra-se o Ministério da Administração Interna, o Ministério da Justiça e o Supremo Tribunal de Justiça. No lado oriental encontra-se o Ministério das Finanças e nas suas traseiras o Ministério das Obras Públicas
As vias fronteiras a estas instituições, estão cheias de carros topo de gama acompanhados de motorista particular, pertencentes aos ministérios e a quem lá trabalha. Confesso que tenho alguma dificuldade em perceber a razão da presença destes carros. Para além de outros considerandos que não quero avançar, oferecem-se-me os seguintes:
Na actualidade, toda a gente tem telemóveis.
Existem na periferia, nomeadamente na Praça do Município, na Praça da Figueira, no Martim Moniz, nos Restauradores e no Camões, parques de estacionamento com muitos lugares vazios.
Seria demais exigir que as viaturas daquelas instituições deixassem no local as entidades que transportam, e se recolhessem a um desses parques de estacionamento, libertando o espaço aonde somente deveriam passar os transportes públicos, e quando fossem necessários, fossem chamados por telemóvel ao local, ocupando o espaço público o mínimo tempo possível?
Falando agora de dar vida ao local.
Tudo aquilo que é possível fazer já foi na quase totalidade abordado por gente responsável, no entanto tudo continua na mesma.
João Soares, enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, pensou em fazer um túnel rodoviário entre o Cais do Sodré e o Campo das cebolas retirando o trânsito automóvel do Terreiro do Paço.
Santana Lopes, quando desempenhava as mesmas funções, propôs-se retirar os ministérios do Terreiro do Paço favorecendo o aparecimento de estabelecimentos hoteleiros e de cultura.
Recentemente, a propósito de uma exposição permanente do Museu do Hermitage, alguém se lembrou de fazer a sua instalação no Terreiro do Paço.
Todas estas hipóteses são interessantes e susceptíveis de concretização a médio prazo.
A estas acrescento mais uma:
A exemplo do que acontece nas plazas mayores de Espanha ou a exemplo do que acontece na Praça de São Marcos em Veneza, deveriam ser criados uma espécie de cafés concerto ao ar livre em toda a sua periferia, acabando com aqueles pseudo concertos de música ligeira que lá se realizam de vez em quando, com instalações sonoras boas para ensurdecer as pessoas.
A saída dos ministérios, a ocupação daquelas grandes salas com o museu, a retirada definitiva do trânsito automóvel e finalmente as esplanadas permanentes dos vários cafés concerto, penso que dariam origem a uma verdadeira praça apetecível de visitar e de permanecer, não só aos nacionais como aos estrangeiros que nos visitam.
· nota:
· O relógio foi recentemente reparado com o patrocínio de uma empresa de relojoaria, estando neste momento em funcionamento.